Minha tataravó morreu em uma manhã cinza de inverno, havia algum tempo que ela vinha reclamando de dores no peito mas o médico pouco pode fazer para ajuda-la.
A medicina naquela época ainda era muito precária, as pessoas tinham que confiar somente nos olhos clínicos do médico.
Fizeram o velório ali em sua casa como era de costume e a enterraram antes do anoitecer.
Meu tataravô desolado voltou para sua casa, a morte levará sua parceira de tantos anos e agora ele seria um solitário já que os filhos eram adultos, casados e cada um tinha sua própria vida a cuidar.
Já era de noite quando ele estava na cozinha, pouco iluminada somente por um lampião e algumas velas acesas na mesa de jantar, tentando fazer algo pra comer no fogão a lenha quando escutou minha tataravó chorando dentro do quarto e chamando pelo seu nome.
Era um choro misturado com gemido de medo e quando ela chama seu nome ela gritava ''João, me ajuda''e chorando.
Ele ficou petrificado no lugar por alguns minutos até que criou coragem, pegou o lampião e foi andando de vagar até o quarto.
A medida que ele ia se aproximando do quarto o choro diminuía e quando ele chegou la o choro parou completamente. Iluminou o quarto vazio e se assustou ao ver que a cama estava bagunçada, mas ele tinha certeza que estava arrumada antes de ir para o enterro.
Quando ele virou de costas para voltar a cozinha o choro começou de novo.
Ele colou a mão com o lampião para dentro do quarto, mas pouco pode ver algo.
A primeira coisa que viu foram as pernas da minha tataravó, estavam cinza e se contorciam na cama. Meu tataravô teve vontade de iluminar o resto do corpo,mas o medo falou mais alto e ele saiu correndo em direção a cozinha e a voz chorosa que dizia ''João, me ajuda'' foi silenciando até calar-se.
Ele saiu da casa e ficou na varanda por horas, sentado em sua cadeia e fumando seu cachimbo. Nervoso e aterrorizado com os acontecimentos.
Não tinha coragem de voltar para dentro de casa e tampouco podia ir para casa de um dos filhos porque eles moravam longe. Acabou pegando no sono já em alta madrugada.
O pesadelo que se seguiu foi horrível. Minha tataravó estava viva dentro do caixão, arranhando a tampa tentando cavar uma saída enquanto suas unhas se desprendiam da carne e sua boca buscava o ar que ali já não existia mais.
Pouco a pouco ela foi perdendo as forças até que seus olhos se arregalaram e seu corpo deixou de buscar por oxigênio.
Ele acordou na varanda sufocando como se ele mesmo estivesse dentro do caixão.
Desesperado, o pobre rolava no chão em busca do ar que aos poucos foi lhe voltando.
Quando estava mais calmo e controlado decidiu ir até a casa de um de seus filhos e contar o ocorrido. Foi até a casa do meu tio-avô Ramiro que acalmou dizendo que eram somente sonhos e que ele estava impressionado por causa de sua recente perda.
Não satisfeito, ele foi até o delegado da cidade e pediu a exumação do corpo que lhe foi automaticamente negada por não haver nenhuma razão convincente além de uma visão ou pesadelo como todos acreditavam.
Nos próximos dias ele teve o mesmo pesadelo e cada vez parecia ser mais real.
E todos os dias voltava á delegacia para pedir a exumação do corpo que lhe foi negada até o dia em que chorando de desespero na frente do delegado, este lhe concedeu o pedido.
Quando abriram o caixão todos ficaram espantados, tudo estava como meu tataravô havia sonhado.
A tampa do caixão arranhada, minha tataravó sem unhas, com a boca e os olhos escancarados.